Quando falamos sobre invasões de imóveis, muitas pessoas imaginam terrenos baldios ou imóveis abandonados. No entanto, é comum que bens devidamente registrados, com donos conhecidos e impostos em dia, também se tornem alvo de ocupações irregulares — especialmente quando se encontram momentaneamente desocupados.
A fragilidade de um momento, é muitas vezes vista pelo outro como abandono, e por isso é importante se precaver, por exemplo, no caso de uma de nossas clientes, após décadas de posse mansa e pacífica, com o bem sempre cercado, limpo e com tributos quitados, a família foi surpreendida com uma triste realidade: logo após o falecimento da proprietária, o imóvel foi invadido.
Exatamente! Mesmo, diante da apresentação da certidão de inteiro teor, confirmando a titularidade do imóvel, o ocupante afirmou ser o “novo proprietário” e mostrou-se inflexível quanto à desocupação — um comportamento comum em ocupações oportunistas, que tentam se aproveitar da ausência temporária do legítimo possuidor.
Diante da situação, a família não se calou e passou a tomar todas as medidas cabíveis, tentando inicialmente resolver a situação de forma amigável, com notificações extrajudiciais, denúncias formais sobre a construção irregular junto aos órgãos, no entanto, a solução administrativa se tornou inviável.
Isso porque, a postura do invasor era clara: ganhar tempo, prometer acordos que nunca se concretizariam e continuar com a obra, na esperança de consolidar a posse. Esse tipo de atitude demonstra má-fé e configura o chamado esbulho possessório — quando alguém, de forma injusta e violenta ou clandestina, retira o possuidor legítimo de seu bem.
Nesse contexto, surgiu a necessidade de acionar o Poder Judiciário, por meio da ação de reintegração de posse, prevista no artigo 560 do Código de Processo Civil.
🛑 O que é a Ação de Reintegração de Posse?
A ação de reintegração de posse é o instrumento jurídico utilizado por quem sofreu a perda injusta da posse de um bem imóvel, seja por invasão, ocupação indevida ou outro tipo de esbulho.
Prevista no artigo 560 do Código de Processo Civil, essa ação tem por objetivo restabelecer o direito do possuidor legítimo — ou seja, devolver a posse a quem efetivamente a exercia, ainda que não seja o proprietário formal do imóvel.
Para que a ação seja bem-sucedida, é necessário comprovar três elementos básicos:
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A posse anterior da parte autora (ainda que indireta, no caso de espólio, por exemplo);
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O esbulho, ou seja, a invasão ou perda da posse de forma injusta e não autorizada;
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A data aproximada do esbulho, para demonstrar a contemporaneidade do ato e viabilizar o pedido liminar.
Nos casos em que o esbulho é recente, o juiz pode conceder uma liminar de reintegração imediata, mesmo antes de ouvir o invasor, essa medida visa proteger o bem e evitar que o dano seja agravado com o tempo, assim se garante a restituição da posse logo no inicio do processo, o que assegura o bom andamento processual.
⚖️ É possível pedir a reintegração de posse de forma administrativa?
Essa é uma dúvida muito comum entre proprietários e herdeiros: será que é possível resolver uma invasão de imóvel apenas por meio de órgãos públicos, sem acionar o Judiciário?
A resposta é: em regra, não, isso porque, a reintegração de posse é uma medida judicial, ou seja, depende de decisão de um juiz para que o ocupante seja legalmente removido do imóvel. E, não há, atualmente, um procedimento administrativo nos municípios ou cartórios que permita, por si só, obrigar alguém a desocupar um bem invadido.
O que pode — e deve — ser feito no âmbito administrativo são medidas complementares e preventivas, tais como:
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Registro de boletim de ocorrência na delegacia relatando a invasão ou o esbulho;
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Comunicação à Prefeitura ou à Ouvidoria Municipal, principalmente se houver construção irregular no local;
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Denúncia ao CREA, se houver obra em desacordo com a legislação urbanística ou sem acompanhamento técnico;
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Pedido de notificação extrajudicial (via cartório) ao invasor, para tentar solucionar amigavelmente.
Essas medidas ajudam a documentar os fatos, demonstram a boa-fé da parte legítima e fortalecem o processo judicial. Mas, sozinhas, não têm o poder de obrigar o invasor a sair.
Portanto, a única via eficaz para reaver a posse do imóvel é a ação judicial, especialmente a ação de reintegração de posse. Nela, o juiz poderá conceder uma tutela de urgência para a retirada dos ocupantes e determinar outras medidas para proteção do bem.
📚 O que aprendemos com esse caso?
Casos como este nos mostram que é fundamental ter o imóvel devidamente registrado, pois isso assegura a propriedade documental do bem e é essencial em qualquer disputa judicial. No entanto, o registro por si só não impede situações de invasão ou esbulho.
É necessário também exercer alguma forma de vigilância ou cuidado contínuo sobre o imóvel, especialmente quando ele está desocupado ou pertence a alguém que faleceu. A ausência física pode ser equivocadamente interpretada como abandono, o que abre espaço para ocupações oportunistas.
Portanto, mais do que apenas manter a documentação em ordem, é importante zelar pela posse ativa: manter o terreno limpo, cercado, com tributos em dia e, sempre que possível, realizar visitas ou vistorias. Essas ações simples podem evitar conflitos futuros e facilitar a comprovação da posse legítima em caso de litígio.
✅ Conclusão
Situações como a relatada neste artigo evidenciam que o direito à propriedade e à posse vai muito além da existência de uma escritura registrada. Embora a documentação seja essencial, é o exercício contínuo da posse e a reação rápida diante de qualquer ameaça que garantem a proteção efetiva do bem.
Infelizmente, momentos de fragilidade emocional, como o falecimento de um ente querido, podem ser explorados por terceiros mal-intencionados. Mas a boa notícia é que o ordenamento jurídico brasileiro oferece ferramentas eficazes para combater injustiças, como a ação de reintegração de posse.
O mais importante é lembrar: quem tem direito, tem voz — e tem meios legais para se proteger. Por isso, manter-se informado e bem assessorado juridicamente é o primeiro passo para preservar não apenas o patrimônio, mas também a dignidade e a memória de quem o construiu.
Se você está passando por uma situação parecida, não espere que o problema se agrave. Procure orientação jurídica especializada e faça valer os seus direitos.