Toda sexta-feira, a mesma cena: a mãe separa roupas limpas, produtos de higiene, um par de tênis extra, medicações com bilhete explicativo, brinquedos preferidos e — muitas vezes — até lanches prontos. Tudo organizado dentro da mochila que segue junto com a criança para o final de semana de convivência com o pai. A organização muitas vezes automática carrega para muitas mães uma incerteza, é ou não responsabilidade o envio de produtos higiene e roupas?
A rotina descrita acima é tão comum que passa despercebida, como se fosse natural. No entanto, é preciso reconhecer: essa sobrecarga não é obrigação legal da genitora. Tudo isso deve ser providenciado por quem irá acolher a criança naquele período. E isso não é negligência da mãe, é reconhecimento da responsabilidade do outro genitor.
✨ Corresponsabilidade Parental: um dever de dois.
Pois veja, a Constituição Federal, em seu art. 227, determina que é dever da família (ou seja, de pai e mãe) assegurar à criança o direito à vida, à saúde, à educação e ao bem-estar, na prática, isso significa que ambos os genitores devem dividir o cuidado e os encargos da criação dos filhos.
O Código Civil, em seu art. 1.634, reafirma esse compromisso conjunto, ao pontuar que compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar. Nesse parágrafo temos um ponto muito claro que precisa ser dito, independe a situação conjugal o elo de parentesco com os filhos permanece e, de igual modo as responsabilidades inerentes a ele.
Ser pai não é estar presente apenas quando é conveniente ou quando tudo já está pronto. Ser pai é participar ativamente do cuidado, do preparo, da escuta e da rotina. É assumir a parte que lhe cabe sem delegar sempre à mãe as tarefas invisíveis. Isso significa ter roupas apropriadas, produtos básicos de higiene, alimentação suficiente, espaço físico adequado e disponibilidade emocional para acolher o filho, entre outros.
Toda criança merece ter dois lares de verdade e não um lar completo e outro improvisado. O bem-estar do filho não pode depender exclusivamente da mochila que vem da casa materna, ele precisa estar garantido nas duas casas, com a dedicação de dois responsáveis, não se trata de uma competição entre quem cuida melhor, e sim de compartilhamento de responsabilidades.
É claro que, em alguns casos, pode haver acordo entre as partes, por exemplo, mães que desejam mandar a escova de dente preferida, o pijaminha do personagem favorito ou um brinquedo especial, tudo isso é válido e pode até fortalecer vínculos. Mas isso deve ser opção, nunca imposição. A linha entre carinho e obrigação precisa ser respeitada.
📌 O Entendimento dos Tribunais: Quando a Justiça também reconhece a sobrecarga.
Inclusive, decisões judiciais recentes já vêm reconhecendo esse cenário. Não é raro encontrar decisões judiciais que reconhecem que a mãe não pode ser obrigada a enviar roupas, produtos de higiene ou medicamentos toda vez que o filho vai para a casa do pai. E, nelas os tribunais têm afirmado que o genitor não guardião (ou seja, aquele que não reside com a criança na maior parte do tempo) deve manter uma estrutura mínima para acolhê-la com dignidade e autonomia. Isso inclui ter roupas adequadas, produtos de higiene, cama, alimentação básica e outros itens do dia a dia infantil.
Em outras palavras: não é razoável exigir que a mãe “prepare a estadia” na casa do pai como se fosse um hotel infantil, montando mala completa a cada visita, enquanto o outro genitor se isenta de responsabilidades práticas.
Além disso, alguns julgados vão além: consideram que a exigência constante de envio desses itens, sobretudo quando feita com imposição ou pressão emocional, pode caracterizar abuso de direito e até tentativa velada de manipular a convivência. É o caso, por exemplo, de situações em que o pai ameaça cancelar o encontro caso a mãe não envie os itens, ou utiliza a ausência desses objetos como justificativa para “provar” que a criança está sendo negligenciada.
Nesses casos, a pressão emocional ultrapassa o campo da simples desorganização logística e adentra o terreno da manipulação do vínculo, o que pode sim ser reconhecido judicialmente como abuso de direito, ou até como conduta incompatível com o melhor interesse da criança.
Isso porque, essas atitudes desviam o foco da responsabilidade parental que deveria estar preparado para acolher a criança e criam um clima emocionalmente instável, que prejudica não só a mãe, mas principalmente a criança, que pode ser usado como “peça” em disputa velada.
Portanto, é importante que mães saibam: se a convivência é constantemente condicionada ao envio de objetos pela genitora, há espaço para questionamento judicial e, se necessário, rever os termos da guarda ou da convivência com base em princípios como o da boa-fé, da equidade e do melhor interesse da criança.
Conclusão:
Falar sobre esse tema é, acima de tudo, dar nome a um incômodo que muitas mães carregam caladas há anos, e que se repete a cada final de semana, como se fosse uma rotina natural e incomodante, e especialmente sem voz. No entanto, é preciso reforçar que o cuidado com os filhos não é uma obrigação exclusiva de um dos genitores, muito pelo contrário, é uma responsabilidade partilhada, conjunta, a ser vivenciada por ambos os genitores, portanto, deve haver também compromisso compartilhado, estrutura mínima e autonomia de ambos os lares.
É urgente parar de romantizar a resiliência materna como se fosse virtude, quando, na verdade, é reflexo de um abandono cotidiano e sistemático de responsabilidades parentais. A maternidade não deve ser um ato de resistência, a parentalidade deve ser parceria, devendo existir entre os pares respeito e auxilio mútuo.
Se você está enfrentando uma situação difícil como essa, saiba, que pode buscar orientação jurídica e, principalmente, romper com o ciclo da culpa e da obrigação silenciosa. Não se trata de disputa, mas de equilíbrio. De justiça e proteção emocional sua e dos seus filhos.
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